Em 2019 o tema do Bloco EURECA,(Eu reconheço o Estatuto da Criança e do Adolescente) é “Crianças e Jovens pela Construção da Cultura e dos Direitos Sociais”. O tema é sempre escolhido pelas crianças e adolescentes mobilizados e suscita várias discussões e estudos. Assim, todo ano o coletivo organizador do EURECA lança o texto guia, ou seja, o texto que apresenta as reflexões para que a partir dele o Desfile e a Mobilização que ocuparão as ruas das cidades sejam construídos. Ele é um mapa, que cartografa os sentidos e desejos políticos.
Texto Guia 2019
Diante de uma casa em demolição, o menino observa:
_Olha , pai! Estão fazendo um terreno.
(Guimarães Rosa, em Tutameia)
A maneira como ouvimos e nos expressamos não é neutra, muito menos natural. A cultura e o cotidiano estão repletos de ações e repetições que formatam e legitimam papéis, falas e jeitos de nos relacionarmos. E assim acontece na interação entre crianças, jovens e adultos.
Muito se fala sobre crianças e jovens no sentido de serem sujeitos em fase de desenvolvimento¹, como algo ainda inacabado, como o futuro. Desse modo, espera-se que o adulto tome decisões, trabalhe e fale. Por outro lado, espera-se que crianças e jovens se preparem para fazer tudo isso um dia, quando alcançarem a vida adulta. Como se eles não já fossem sujeitos que pensam e que estão implicados na construção da sociedade.
Pois afirmamos o oposto!
Crianças e jovens já o são, e cabe a todos nós a tarefa de trabalhar para que haja esse reconhecimento, e que ele seja fortalecido no cotidiano de nossas práticas.
Crianças e jovens podem brincar, mas também podem pensar, analisar, falar, sonhar, construir, decidir, discordar, lutar, trabalhar, cantar, dançar e conjugar tantos outros verbos possíveis. Os limites não são fisiológicos, são culturais. E reconhecer essa questão permite que também reconheçamos crianças e jovens como sujeitos implicados na construção da cultura, da política e dos direitos sociais. Dessa maneira, talvez possamos inventar modos de nos relacionarmos muito mais plurais, nos quais as diferenças possam provocar deslocamentos, ao invés de silenciamentos.
Mas qual é o lugar do adulto nessa história?
Propomos que os adultos se desprendam do papel de representantes dos interesses das crianças e dos jovens. Afinal, temos visto que nesse modo de fazer acaba prevalecendo expectativas e discursos adultocêntricos.
Sendo assim, sugerimos que os adultos usem mais os ouvidos para ouvir, do que a boca para falar. Propomos que se engajem para que essas vozes histórica e culturalmente silenciadas encontrem espaços e dispositivos para se expressarem e serem ouvidas, por elas mesmas.
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Nota¹ – Art. 6º ECA: Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
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O desafio de criar um espaço no qual as crianças e jovens sejam de fato os atores principais vem sendo um dos desafios do Eureca, que desde 1992 tenta de forma contínua realizar um deslocamento dos lugares já naturalizados da criança, do jovem e do adulto através da folia carnavalesca, criando um lugar político[1] que visa reconhecer os avanços realizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, mas que também coloca nas ruas e rodas, temáticas que partam das vozes e gestos das crianças e jovens.
Nesses 28 anos, foram diversos temas e sambas que afirmaram o lugar das crianças e jovens na construção da cultura e dos direitos, reconhecendo as várias experiências protagonizadas pelas crianças e deixando claro que desfilar nas avenidas[2] é marcar uma posição política que visibiliza[3] e faz cantar aqueles que os adultos ainda insistem em dizer que não tem voz nem razão.
Com e pela diversidade[4] no corpo, na música, nas alegorias – essa mistura quer mostrar e construir outras culturas[5], menos hegemônicas e opressoras, mais democráticas e dialógicas. Cantar trajetórias[6], recuperar histórias, valorizar ancestralidades[7] e denunciar[8] violações. São tempos difíceis, mas a aposta é de que será com as várias infâncias[9] que forjaremos novos dispositivos de luta e de organização de uma outra sociedade.
Isto é, crianças e jovens pela construção da cultura e dos direitos sociais!
[1] ‘’Ocupação: ocupar para não retroceder’’ – Tema do ano de 2017.
[2] ‘’Se essa rua fosse minha’’ – Tema do ano de 1999.
[3] ‘’Contra invisibilidade que nos fere, pela visibilidade que nos fortalece’’ – Tema do ano de 2016.
[4] ‘’Lutando pela diversidade, respeito e igualdade’’ – Tema do ano de 2018.
[5] ‘’EURECA – Garantia de Direitos – Direito é Bom e eu gosto’’ – Tema do ano de 2008.
[6] ‘’EURECA contra o trabalho infantil’’ – tema 1996.
[7] ‘’Discriminação Racial’’ – Tema do ano de 1995.
[8] ‘’Cinco anos de denúncia’’ – Tema do ano de 1997.
[9] ‘’Várias Infâncias’’ – Tema do ano de 2007.
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