Refletir a questão da fome diante da realidade da Covid-19. Esse é o objetivo do artigo produzido pela professora Maria Fernanda Petroli Frutuoso, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pelo psicólogo Cássio Vinícius Afonso Viana, do Instituto Camará Calunga. O documento, intitulado Quem inventou a fome são os que comem: da invisibilidade à enunciação – uma discussão necessária em tempos de pandemia, foi publicado nesta sexta-feira, 19 de março pela revista Interface, importante veículo de divulgação científica produzida pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), campus de Botucatu. O artigo também está disponível na Biblioteca Virtual do Camará.
Segundo Maria Fernanda, esse tema vem sendo debatido pelo menos desde 2017, a partir da parceria entre o Instituto Camará Calunga e o projeto de extensão universitária Saberes e sabores: a nutrição em diálogos, da Unifesp – Campus Baixada Santista. Dentro desse diálogo, que deslocou a universidade para a realidade nos territórios vulnerabilizados, a fome despontou como um dos temas. E, a partir desta constatação, iniciaram um processo de formação e compreensão do porquê da comida chegar ou não aos seus lares.
Contudo, com a chegada da pandemia, o quadro se torna ainda mais grave. A falta de trabalho, sobretudo para quem já vivia na informalidade; o fechamento das escolas e, por consequência, do acesso a merenda; e a disparada nos preços dos alimentos são alguns pontos que tem agravado a questão da insegurança alimentar e nutricional.
Já Viana aponta que, apesar de ser um artigo científico, houve uma grande preocupação em escrever de forma simples e direta, pois a intenção é que ele sirva de subsídio para reflexões com os grupos articulados a partir do Camará. No entanto, a visibilidade alcançada através da publicação na Revista Interface pode e deve alertar o mundo acadêmico para a questão da fome. “É um tema urgente, inclusive pelo agravamento da pandemia no país e pela extensão territorial imensa, capaz de produzir alimentos – de boa qualidade e em quantidade suficiente – para todos, se pensarmos na comida como direito”, completa Maria Fernanda.
“Nesse cenário, é urgente construir possibilidades de compreensão e análise crítica da produção da experiência de sentir/viver com fome, diretamente nos territórios vulnerabilizados, e propor ações que desloquem essa insensibilidade à temática. Sensibilizar, talvez, seja uma maneira de trazer urgência para o confronto com essa sensação. Como Carolina Maria de Jesus, reconhecemos que é tempo de técnicos, gestores, intelectuais e patrões assumirem a responsabilidade sobre a invenção da fome, e aliar-se àqueles que sentem e vivem essa experiência, para melhor compreendê-la e construir estratégias que, de fato, a combatam. Ou como diria Chico Buarque: “você que inventou de inventar toda escuridão (…) ora tenha a fineza de ‘desinventar'”.”
Trecho do artigo Quem inventou a fome são os que comem: da invisibilidade à enunciação – uma discussão necessária em tempos de pandemia
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