Assembleia Comunitária – Vila Margarida
Rede de Presença, Apoio e Cuidado Coletivo
“Que notícias me dão dos amigos?
Que notícias me dão de você?
Sei que nada será como está
Amanhã ou depois de amanhã
Resistindo na boca da noite um gosto de sol”
Milton Nascimento e Ronaldo Bastos
Desde março de 2020, quando nos deparamos com a pandemia de Covid 19, pudemos perceber em todos os territórios em que estivemos presentes, a partir de uma tela, uma rede de cuidado uns com os outro: a mãe que passou a participar dos encontros para apoiar os filhos, o filho que voltou a participar para contar como está a situação da família , a esposa que participou para cuidar de uma situação com o marido, a vizinha que passou a falar e assim a ouvir qual a melhor maneira de cuidar junto com o vizinho e lá estávamos nós sem aparelhagem, sem saber o que aconteceria e quem nós encontraríamos, mas estávamos dispostos a estar juntos por pelo menos duas horas da semana e cuidar ou ser cuidados com quem estivesse disposto, como todos os educadores estavam.
Mais de um ano de pandemia e esse cuidado, com muita formação crítica, só aumentou. No processo tivemos gestações, perdas, contaminação por covid 19, internação por pneumonia, surto de escabiose, mortes pelo agravamento do covid, surto de dengue, e o mais importante: muita disposição em permanecer juntos, construindo novas estratégias, refletindo, tomando decisões, nos fortalecendo, comemorando vários aniversários, fazendo festas online e se preocupando uns com os outros.
Não importava só o que um indivíduo estava vivendo. Cada história atribuiu sentido, produziu conexões, reflexões e implicação com o fazer e pensar coletivo.
Em cada assembleia uma mulher crescia ao abrir seu microfone e contar algo sobre si, que refletia no outro e no território. Crianças brincaram, fizeram rir e deixaram o ambiente mais leve. Maridos passaram a ser participantes diretos nas assembleias e até nos grupos. O conceito de estar junto vai muito além de uma presença física, pois todos nós estamos juntos uns com os outros e muitas vezes se vendo só na tela de um celular ou de um computador. Estamos todos os dias juntos: ouvindo, falando, conscientizando, chorando, brigando, alimentando, amamentando, sorrindo, brincando, afetando e nos deixando afetar pelos coletivo.
A pandemia revelou muito mais do que o adoecimento por covid 19. Quem realmente viu, viveu e vive de perto todas essas revelações foi a população que é vulnerabilizados todos os dias. Foi no território que a fome falou mais alto, o desemprego chegou sem pegar trânsito, o desespero nem precisou entrar na fila de espera, pois com todo o cenário que foi montado não teve outra saída a não ser se desesperar. Neste sentido, a experiência da Assembleia Comunitária da Vila Margarida tem o marco do não esmorecimento, da não entrega ao desespero individual, da construção coletiva e cotidiana de sentidos, estratégias e muitas experiências.
Entre as questões nevrálgicas debatidas, destacamos:
Vamos nos conformar com essa enraizada opinião de ano escolar perdido? Por que as mães são responsabilizadas pela não entrega das tarefas? Elas têm estrutura para apoiar e conduzir o processo de ensino de seus filhos? Por que são sempre “elas”? De quem a responsabilidade pela educação?
Como pode o preço dos alimentos mais básicos para a saúde e para a sobrevivência subirem tanto quando mais perdemos emprego? Como comer? Como trabalhar?
Seguimos com os grupos de estudos, conversas particulares, conversas em pequenos grupos, criamos redes de apoio, buscamos parceiros, escrevemos projetos, entregamos alimentos, livros, materiais escolares, nos colocamos à disposição do encontro, do cuidado e da formação crítica, mesmo que pela tela de um aparelho eletrônico.
Quando tudo isso acabar e construirmos o nosso novo cotidiano não será como antes, pois toda essa experiência apurou nossas percepções para sabermos o que de fato queremos, o que precisamos e podemos fazer. Estar junto será muito mais que uma roda de pessoas se comunicando, estar junto será uma comunidade inteira se percebendo e se legitimando enquanto sujeitos de seus próprios direitos e desejos.
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